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Responsabilidade Ambiental: Definindo a Natureza Propter Rem das Obrigações

Entenda o importante julgamento do STJ através do Propter Rem que pode impactar a responsabilidade ambiental do antigo, ou atual proprietário, bem como dos possuidores de uma área degradada.

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Por Adivan Zanchet e Tiago Martins

Obrigação Propter Rem

mulher pronta para assinar uma documentação propter rem

Primeiramente, faz-se necessário destacar o que é a natureza jurídica de tal obrigação Propter Rem.

Uma obrigação propter rem, do latim “por causa da coisa” é um conceito jurídico que se relaciona diretamente com um bem imóvel específico.

Ela é uma obrigação que está ligada intrinsecamente à propriedade desse bem e não à pessoa que é proprietária no momento.

Em outras palavras, é uma obrigação que acompanha o bem, independentemente de quem seja o seu proprietário.

A característica fundamental de uma obrigação propter rem é que ela não é pessoal, ou seja, não depende da vontade ou da ação de uma pessoa específica.

Ela decorre da própria natureza do bem e da sua destinação legal ou contratual. Portanto, quando alguém adquire um imóvel sujeito a uma obrigação propter rem, essa obrigação se transfere automaticamente para o novo proprietário, tornando-se uma responsabilidade vinculada ao imóvel.

A noção de obrigações propter rem é relevante em várias áreas do direito, incluindo, além do direito ambiental, direito imobiliário e direito das obrigações.

Ela garante que as obrigações relacionadas a determinados bens não sejam facilmente evitadas ou transferidas para terceiros, protegendo os interesses legítimos relacionados a esses bens e promovendo a estabilidade nas relações jurídicas.

Responsabilidade Ambiental

Homem empilha blocos de madeira com símbolos ecológicos enquanto anota fatos do propter rem

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou recentemente os Recursos Especiais 1.962.089 e 1.953.359 para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. A relatoria está a cargo da ministra Assusete Magalhães.

O ponto central desse julgamento, registrado como Tema 1.204 na base de dados do STJ, gira em torno da definição da natureza propter rem das obrigações ambientais.

Em termos simples, a questão essencial é se as obrigações ambientais estão intrinsecamente ligadas à propriedade ou posse de um bem, permitindo a cobrança dessas obrigações do proprietário ou possuidor atual, bem como dos proprietários anteriores ou mesmo dos sucessores, a critério do credor.

A relevância dessa questão é profunda, pois está diretamente relacionada à responsabilidade por danos ambientais.

No caso específico do REsp 1.962.089, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) busca o reconhecimento da natureza propter rem das obrigações ambientais em relação a uma fazenda.

Isso abriria a porta para a cobrança da proprietária anterior do imóvel e sua responsabilização pelo pagamento dos honorários periciais resultantes da avaliação dos danos ambientais.

O argumento do MPMS é que a obrigação ambiental recai sobre a pessoa devido à sua qualidade de proprietária ou titular de um direito real sobre um bem.

Portanto, os atuais proprietários do imóvel não podem escapar dessa responsabilidade, e o mesmo se aplica aos proprietários anteriores.

Nesse caso, o órgão ministerial observa que a proprietária anterior da fazenda estava em posse do imóvel na época das irregularidades ambientais.

A relatória alega que, após uma pesquisa na base de jurisprudência do STJ, foram encontrados 90 acórdãos e 1.113 decisões monocráticas, tanto na Primeira como na Segunda Turmas, que abordaram a mesma controvérsia.

Isso demonstra a importância da questão e a necessidade de esclarecimento.

Argumentação do Acórdão

Para melhor apresentar o tema, seguem algumas citações importantes do julgado:

“O cerne da controvérsia, como se depreende, consiste em confirmar a natureza propter rem das obrigações ambientais, o que, no caso em exame, ensejaria a cobrança (ou não) das referidas obrigações da anterior proprietária do imóvel, com sua consequente responsabilidade pelo pagamento dos honorários de perícia determinada para apurar o montante devido a título de indenização por perdas e danos.

(…)

Verifica-se, assim, que o presente feito encontra-se apto para ser afetado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 c/c art. 256-I e seguintes do RISTJ, como Recurso Especial representativo de controvérsia jurídica de natureza repetitiva, juntamente com o REsp 1.953.359/SP.

Ante o exposto, voto pela afetação do presente Recurso Especial ao rito dos recursos repetitivos, com a identificação do seguinte tema, com acolhimento da proposta do Ministério Público Federal, no ProAfR no REsp 1.953.359/SP:

As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores ou, ainda, dos sucessores, à escolha do credor.”

Em face da natureza da controvérsia travada nos autos, determino, nos termos do art. 1.037, II, do CPC/2015, a suspensão do processamento de todos os processos, individuais ou coletivos, que versem sobre a mesma matéria, nos quais tenha havido a interposição de recurso especial ou de agravo em recurso especial, na Segunda Instância, ou que estejam em tramitação no STJ, respeitada, no último caso, a orientação prevista no art. 256-L do RISTJ.

Oficie-se aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça, comunicando a instauração deste procedimento, a fim de que seja suspensa a tramitação dos processos.

Conclusão

Foto de materiais visto em um julgamento

A decisão de afetar esses recursos para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos é um passo significativo em direção à economia de tempo e à segurança jurídica.

O Código de Processo Civil de 2015 prevê essa possibilidade, facilitando a resolução de demandas recorrentes na Justiça brasileira.

Para os envolvidos em questões de responsabilidade ambiental, essa decisão terá um impacto significativo.

Definir se as obrigações ambientais têm natureza propter rem ou não pode moldar como as partes envolvidas responderão legalmente a infrações ambientais e a quem serão atribuídas as obrigações de reparação.

Acompanhar o desenrolar desse julgamento é fundamental para entender o futuro das questões de responsabilidade ambiental no Brasil.

À medida que aguardamos a decisão do STJ, é essencial que proprietários, possuidores, advogados e partes interessadas na área ambiental estejam atentos aos desenvolvimentos legais que podem impactar diretamente suas responsabilidades e obrigações.

 

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Conheça os autores

Adivan Zanchet

OAB/RS 94.838 || OAB/SC 61.718-A || OAB/SP 521767

Advogado e Professor especialista em Direito Ambiental pela Escola Verbo Jurídico, e em Direito Agrário e do Agronegócio, pela FMP – Fundação Escola Superior do Ministério Público. Sócio-fundador e CEO do escritório MartinsZanchet Inteligência Ambiental Para Negócios. Como Advogado Ambiental, tem sua expertise voltada para Responsabilidade Civil Ambiental. Sócio-fundador da Escola de Direito Ambiental. Sócio-fundador do Canal no YouTube e Podcast Inteligência Ambiental, maior canal do Brasil sobre a matéria de Direito Ambiental. Membro da União Brasileira de Advogados Ambientais (UBAA). Autor de diversos artigos, dentre eles “Responsabilidade Civil Ambiental: as dificuldades em se comprovar o nexo causal”.

Tiago Martins

OAB/PA 19.557 || OAB/SC 68.826-A || OAB/SP 518418

Advogado e Professor de Direito Ambiental com maior atuação no contencioso cível, administrativo e penal ambiental, além de prestar consultoria e assessoria ambiental. É Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável: Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário do Pará – Belém. Especialista em Direito Público com Ênfase em Gestão Pública e Capacitação para o Magistério Superior pelo IBMEC São Paulo. Conselheiro Seccional Suplente – OAB/PA. Conselheiro Suplente no Conselho de Desenvolvimento Urbano de Belém/PA. Professor Universitário de Graduação e Pós-Graduação, focado em Direito Ambiental, Direito Administrativo e Direito Constitucional. Sócio-fundador da Escola de Direito Ambiental. Sócio-fundador do Canal no YouTube e Podcast Inteligência Ambiental, maior canal do Brasil sobre Direito Ambiental. Professor em preparatórios para concursos públicos e exame de ordem, com foco em Direito Ambiental e Ética Profissional. Membro da União Brasileira de Advogados Ambientais (UBAA).

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