Neste artigo, exploramos a legislação pertinente, explicamos o que é o IPTU, discutimos o conceito de APPs e defendemos a desnecessidade de sua cobrança em áreas de preservação.
No cenário complexo da legislação ambiental brasileira, a relação entre a tributação municipal e as áreas de preservação permanente (APPs) surge como um tema de debate e questionamento. O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), um tributo municipal de grande importância para as finanças locais, muitas vezes é aplicado em propriedades que incluem áreas de preservação, levantando dúvidas sobre sua legitimidade e justiça.
O Que é o IPTU?
O IPTU é um imposto municipal incidente sobre a propriedade de imóveis urbanos. Sua cobrança visa financiar as despesas da cidade, como obras de infraestrutura, serviços públicos e investimentos em áreas como saúde e educação. O valor do imposto é calculado com base no valor venal do imóvel, ou seja, seu valor de mercado.
Cumpre destacar que o Município tem a competência de criar e definir os contribuintes, bem como as áreas que devem realizar a contribuição.
O artigo 32 do Código Tributário Nacional é o que aborda o tema:
Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II – abastecimento de água;
III – sistema de esgotos sanitários;
IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.
§ 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.
Vale mencionar que o STJ tem diversas súmulas tratando sobre o tema IPTU, no entanto, nenhuma referente a incidência ou não do imposto em Área de Preservação permanente, mas é cediço que ao abordar o tema entende que “se exige lei específica para a concessão de isenção tributária” (REsp 1696909 / SP).
As áreas de Preservação Permanente são definidas pela legislação ambiental como espaços protegidos pela sua relevância na conservação dos recursos naturais, da biodiversidade, do solo e da água. Elas incluem, por exemplo, margens de rios, topos de morros, encostas íngremes, restingas, manguezais e áreas de Mata Atlântica.
Essas áreas desempenham funções essenciais para o equilíbrio ecológico e a qualidade de vida das populações, oferecendo serviços ambientais como regulação do clima, proteção contra erosão e enchentes, e abrigo para a fauna e a flora nativas.
De acordo com o Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012), as áreas de Preservação Permanente são de uso restrito e devem ser mantidas com sua vegetação nativa intacta. Portanto, é vedada a realização de atividades que possam comprometer a sua função ambiental, incluindo a construção de edificações urbanas.
No entanto, a legislação sobre o IPTU não é clara quanto à tributação dessas áreas. Alguns municípios interpretam que o IPTU deve ser cobrado mesmo em áreas de preservação, enquanto outros entendem que essas áreas estão isentas do imposto.
(Des)necessidade de Pagamento de IPTU em Áreas de Preservação Permanente
A justificativa para a não cobrança do IPTU em áreas de preservação permanente está fundamentada no próprio conceito dessas áreas. As APPs são espaços que devem ser mantidos intocados ou com uso restrito, devido à sua importância para a preservação ambiental. Assim, não é justo nem razoável exigir o pagamento de um imposto sobre uma área que não pode ser utilizada economicamente pelo proprietário.
Além disso, a tributação de áreas de preservação permanente poderia desestimular a conservação desses espaços, incentivando práticas predatórias para evitar o pagamento do imposto. Isso contraria o princípio da função socioambiental da propriedade, que busca conciliar o direito de propriedade com a proteção do meio ambiente.
Diante desse cenário, é fundamental que os proprietários de áreas de preservação permanente estejam cientes de seus direitos e busquem orientação jurídica especializada. Advogados especializados em direito ambiental podem oferecer suporte legal para contestar a cobrança indevida do IPTU em áreas de preservação, utilizando argumentos embasados na legislação ambiental e nos princípios constitucionais.
Os profissionais do direito ambiental têm amplo conhecimento técnico-jurídico para fundamentar juridicamente a defesa dos direitos dos proprietários de APPs. Eles podem destacar que a tributação dessas áreas vai contra os objetivos de preservação ambiental estabelecidos pela legislação, além de ferir princípios constitucionais como o direito de propriedade e o princípio da função social da propriedade.
Além disso, os advogados ambientais podem argumentar que a cobrança de IPTU em áreas de preservação permanente não apenas é injusta para os proprietários, mas também contraproducente para a sociedade como um todo. A preservação dessas áreas é fundamental para garantir a qualidade de vida das futuras gerações e a sustentabilidade ambiental do planeta.
Nesse sentido, vale trazer julgado sobre o tema, o qual destaca que não é legal a cobrança de imposto sobre área que possui restrição absoluta. Vejamos:
APELAÇÃO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL URBANA – IPTU. IMÓVEL SITUADO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESTRIÇÃO ABSOLUTA IMPOSTA AO BEM. HIPÓTESE DE NÃO INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. De acordo com a Lei 12.651/2012 – Código Florestal -, as Áreas de Preservação Permanente são áreas protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, com função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas – artigo 3º, II. 2. O Direito Ambiental estabeleceu um regime diferenciado de proteção das Áreas de Preservação Permanente, limitando sobremaneira o pleno exercício do direito de propriedade através da obrigação de manutenção integral de sua vegetação pelo proprietário, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado. 2.1 Essas restrições administrativas tornam os bens situados em Áreas de Preservação Permanente insuscetíveis de uso, gozo e disposição, poderes inerentes à propriedade, repercutindo na esfera tributária e impossibilitando o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana – IPTU. 2.2 Trata-se de verdadeira hipótese de não incidência tributária, em virtude da ausência de elementos mínimos caracterizadores do fato gerador da obrigação. 3. Como o imóvel do autor não possui qualquer acessão e está localizado em Área de Proteção Permanente – APP onde são vedadas novas edificações, fica afastada a possibilidade de cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana – IPTU, por conta da restrição absoluta e total imposta ao bem. 4. É irrelevante, para fins de restituição do tributo, o pedido de inclusão do imóvel no cadastro fiscal imobiliário efetuado pelo próprio autor, já que a atuação administrativa está jungida ao princípio da legalidade, não podendo o agente público se afastar dos mandamentos da Lei com a mera requisição do particular. 5. Recurso conhecido e desprovido. (Acórdão 1139079, 07138410520178070018, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 22/11/2018, publicado no PJe: 23/11/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Portanto, é essencial que os proprietários de áreas de preservação permanente busquem orientação jurídica especializada para defender seus direitos e garantir a preservação desses espaços tão importantes para o meio ambiente e para a sociedade como um todo.
Conclusão
Em suma, a não obrigatoriedade do pagamento de IPTU em áreas de Preservação Permanente é uma questão que deve ser analisada à luz da legislação ambiental e tributária vigente. Considerando a importância dessas áreas para a conservação ambiental e o cumprimento das leis de proteção ambiental, é fundamental que sejam adotadas medidas para garantir a sua preservação e manutenção, sem onerar injustamente os proprietários.
Nesse sentido, cabe aos órgãos ambientais e às autoridades municipais promover a conscientização sobre a importância das áreas de Preservação Permanente e buscar alternativas para compensar a renúncia fiscal decorrente da isenção do IPTU, garantindo assim a sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento urbano equilibrado.
Advogado e Professor especialista em Direito Ambiental pela Escola Verbo Jurídico, e em Direito Agrário e do Agronegócio, pela FMP – Fundação Escola Superior do Ministério Público. Sócio-fundador e CEO do escritório MartinsZanchet Inteligência Ambiental Para Negócios. Como Advogado Ambiental, tem sua expertise voltada para Responsabilidade Civil Ambiental. Sócio-fundador da Escola de Direito Ambiental. Sócio-fundador do Canal no YouTube e Podcast Inteligência Ambiental, maior canal do Brasil sobre a matéria de Direito Ambiental. Membro da União Brasileira de Advogados Ambientais (UBAA). Autor de diversos artigos, dentre eles “Responsabilidade Civil Ambiental: as dificuldades em se comprovar o nexo causal”.
Tiago Martins
OAB/PA 19.557 || OAB/SC 68.826-A || OAB/SP 518418
Advogado e Professor de Direito Ambiental com maior atuação no contencioso cível, administrativo e penal ambiental, além de prestar consultoria e assessoria ambiental. É Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável: Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário do Pará – Belém. Especialista em Direito Público com Ênfase em Gestão Pública e Capacitação para o Magistério Superior pelo IBMEC São Paulo. Conselheiro Seccional Suplente – OAB/PA. Conselheiro Suplente no Conselho de Desenvolvimento Urbano de Belém/PA. Professor Universitário de Graduação e Pós-Graduação, focado em Direito Ambiental, Direito Administrativo e Direito Constitucional. Sócio-fundador da Escola de Direito Ambiental. Sócio-fundador do Canal no YouTube e Podcast Inteligência Ambiental, maior canal do Brasil sobre Direito Ambiental. Professor em preparatórios para concursos públicos e exame de ordem, com foco em Direito Ambiental e Ética Profissional. Membro da União Brasileira de Advogados Ambientais (UBAA).
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