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Enchentes no Rio Grande do Sul: Responsabilidade Civil Ambiental e a atual Jurisprudência

Este artigo aprofunda-se nas complexidades legais envolvendo a responsabilidade civil, apoiado pela atual jurisprudência do Tribunal de Justiça Gaúcho e pelas reportagens recentes que destacam a magnitude dos danos e as falhas nas medidas de prevenção e mitigação.

As recentes enxurradas no Rio Grande do Sul não apenas devastaram cidades inteiras, mas também levantaram importantes questionamentos sobre a responsabilidade civil ambiental e a capacidade de resposta institucional a desastres naturais.

Contextualização das Enchentes no Rio Grande do Sul

 

Relatos dos veículos locais e nacionais ilustram o cenário de calamidade enfrentado pelo Rio Grande do Sul, onde enxurradas causaram estragos extensivos, não apenas com a perda de patrimônio, mas sim de vidas.

As enxurradas recentes no Rio Grande do Sul não são apenas incidentes isolados; elas refletem um problema mais amplo relacionado à falta de prevenção e planejamento adequado para eventos extremos.

Estes eventos revelam deficiências críticas nas infraestruturas existentes e falhas no planejamento urbano que não foram suficientemente robustas para mitigar os efeitos de tais catástrofes.

A necessidade de políticas mais eficazes e medidas preventivas é evidenciada pela escala da destruição e pelo impacto nas comunidades locais.

 

De acordo com os dados fornecidos pela Defesa Civil, o número de municípios que decretaram calamidade pública chegou a ser de 397, sendo que após análise o número foi reduzido para 46.

Essa vasta quantidade de emergências declaradas ilustra a magnitude da tragédia e a urgência de uma revisão e fortalecimento das políticas de gestão de riscos. A situação exige uma resposta coordenada não apenas para o socorro imediato, mas também para o desenvolvimento de estratégias que possam prevenir ou ao menos atenuar futuros desastres dessa natureza.

Destarte, é fundamental que os planejamentos urbanos e as infraestruturas sejam revisados e fortalecidos, com foco na implementação de medidas preventivas e sistemas de alerta eficazes.

A colaboração entre agências governamentais, comunidades e especialistas é crucial para estabelecer um sistema de gestão de riscos que não apenas reaja às crises, mas que ativamente trabalhe para mitigar os riscos associados a eventos extremos, protegendo assim as vidas e os bens das populações vulneráveis.

Responsabilidade Civil Ambiental e a atual Jurisprudência

 

A responsabilidade civil ambiental é um pilar fundamental do direito ambiental brasileiro, baseada no princípio do poluidor-pagador e na teoria do risco criado. No contexto de desastres naturais, essa responsabilidade torna-se complexa, especialmente quando envolve elementos de negligência ou falha em adotar medidas preventivas adequadas.

Tribunais brasileiros têm progressivamente reconhecido que, embora os eventos climáticos extremos sejam fenômenos naturais, a magnitude dos danos frequentemente decorre da inação ou da inadequação das medidas de infraestrutura e planejamento urbano adotadas pelo poder público e pela iniciativa privada.

A Responsabilidade civil – e, especialmente, a responsabilidade civil ambiental – tem limitações para exercer o seu papel de instrumentos de prevenção de danos ao meio ambiente e, sobretudo, oferecer compensação rápida e adequada às vítimas de desastres. [1]

A jurisprudência do TJ/RS recente uniformizou o entendimento das responsabilidades em contextos de alagamentos e enchentes. Decisões dos tribunais superiores têm enfatizado a necessidade de uma abordagem mais rigorosa na avaliação da responsabilidade das autoridades públicas e dos agentes privados envolvidos.

A análise jurídica tem se voltado para a avaliação de como a falta de cumprimento das normas de segurança, urbanismo e meio ambiente contribui para agravar as consequências desses desastres.

Essa evolução jurisprudencial é crucial para estabelecer precedentes que garantam não apenas a compensação pelos danos, mas também a implementação de políticas públicas mais eficazes.

É cediço que os moradores que residem em áreas que costumeiramente alaga sofrem devido aos prejuízos enfrentados, tanto pela perda de móveis, quanto problemas de saúde, sendo que desde o ano de 2019 o TJ/RS uniformizou a jurisprudência:

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. TURMAS RECURSAIS DA FAZENDA PÚBLICA REUNIDAS. RESPONSABILIDADE CIVIL, EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL, POR DANOS DECORRENTES DE ALAGAMENTOS E INUNDAÇÕES. DIVERGÊNCIA ENTRE AS TURMAS FAZENDÁRIAS SOBRE SER OBJETIVA OU SUBJETIVA A RESPONSABILIDADE ESTATAL NA HIPÓTESE. ACOLHIMENTO DO INCIDENTE E UNIFORMIZAÇÃO DO ENTENDIMENTO, COM A EDIÇÃO DE ENUNCIADO NOS SEGUINTES TERMOS: “A RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL, NOS CASOS DE OMISSÃO, GENÉRICA OU ESPECÍFICA, EM HIPÓTESE DE ALAGAMENTOS E INUNDAÇÕES, É OBJETIVA, RESSALVADA A PROVA, PELO ENTE PÚBLICO, DE ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL ENTRE A OMISSÃO E O DANO EXPERIMENTADO PELO PARTICULAR”.

INCIDENTE CONHECIDO E UNIFORMIZADO O ENTENDIMENTO, POR MAIORIA, COM EDIÇÃO DE ENUNCIADO. (processo 71008591331)

E quando podemos mencionar que houve a omissão do poder público? Caracterizando assim a sua responsabilidade de indenizar os Autores. Existem muitas possibilidades de se fazer a prova nesse sentido, sendo a melhor delas um estudo técnico ambiental realizado por um especialista da área.

Cumpre destacar que para uma das correntes doutrinárias, a responsabilidade civil do Estado por omissão é gerada necessariamente, pela prova de falta do serviço (faute du service), exigindo, assim, a necessária demonstração de uma culpa da Administração na prestação do serviço, seja pelo serviço não funcionar, funcionar mal ou tardiamente[2]. Desse modo, cabe ao particular fazer a prova.

Desse modo, só se caracteriza o ilícito quando configurado a possibilidade do Estado impedir o dano.

Enquanto outra para a segunda corrente doutrinária a responsabilidade civil extracontratual do Estado por omissão decorre do descumprimento de um dever jurídico de agir.

Para tal corrente, defendida, exemplificativamente, por Yussef Said Cahali[3] e Juarez Freitas[4], não haveria distinção entre a responsabilidade civil extracontratual do Estado em casos comissivos ou omissivos, aplicando-se a ambos o § 6.º do art. 37 da Constituição Federal.

A jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, vem se direcionando à adoção da teoria do risco administrativo para a questão da responsabilidade extracontratual em caso de omissão, inclusive no caso de omissão genérica.

Vale mencionar no que concerne a alagamentos e inundações, e em casos de desastres naturais em geral, ganha destaque a existência do conhecimento dos riscos, da previsibilidade dos riscos, da capacidade e competência do ente estatal em questão para adotar medidas preventivas a fim de evitá-lo.

Para entender um pouco mais sobre o tema, inclusive sobre a necessidade de comprovação de um caso fortuito ou força maior, visando a descaracterização da responsabilidade do ente público, basta acessar o artigo Alagamentos e Indenização Ambiental: Saiba Seus Direitos.

Cumpre destacar desde já, a necessidade de estudos que comprovam a possibilidade de prevenção e mitigação dos prejuízos, uma vez que inundações deixaram de ser fatos atípicos no estado do Rio Grande do Sul.

Desafios e Direitos dos Cidadãos Frente às Enxurradas do Rio Grande do Sul

 

Cidadãos afetados pelas enchentes no Rio Grande do Sul devem tomar medidas proativas para garantir que seus direitos sejam respeitados. É essencial que as vítimas documentem de maneira abrangente os prejuízos, através de fotos, registros e relatórios detalhados do impacto em suas propriedades e na qualidade de vida.

Esta documentação será crucial ao buscar reparação legal ou compensações de seguradoras, ou do governo.

O Brasil dispõe de uma legislação ambiental abrangente e rigorosa que oferece uma base sólida para a proteção dos direitos dos cidadãos em casos de danos ambientais. As leis brasileiras estabelecem claramente os direitos à compensação e à adoção de medidas de prevenção e mitigação por parte das autoridades.

As vítimas afetadas têm o direito de exigir que essas leis sejam cumpridas e que os responsáveis pelos danos ou pela falta de medidas preventivas adequadas sejam responsabilizados.

Conclusão

 

As enxurradas no Rio Grande do Sul reforçam a necessidade urgente de revisão das estratégias de gestão de risco e de resposta a desastres naturais. O fortalecimento da jurisprudência sobre responsabilidade civil ambiental é essencial para assegurar a adequada compensação dos danos e para promover uma cultura de prevenção e preparação que minimize os impactos de futuros eventos.


[1] ANTUNES, PAULO DE BESSA, Responsabilidade civil ambiental: uma breve introdução / Paulo de Bessa Antunes. – Indaiatuba, SP : Editora Foco, 2024, pag 9

[2] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 996-997.

[3] CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

[4] FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.


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Conheça os autores

Adivan Zanchet

OAB/RS 94.838 || OAB/SC 61.718-A || OAB/SP 521767

Advogado e Professor especialista em Direito Ambiental pela Escola Verbo Jurídico, e em Direito Agrário e do Agronegócio, pela FMP – Fundação Escola Superior do Ministério Público. Sócio-fundador e CEO do escritório MartinsZanchet Inteligência Ambiental Para Negócios. Como Advogado Ambiental, tem sua expertise voltada para Responsabilidade Civil Ambiental. Sócio-fundador da Escola de Direito Ambiental. Sócio-fundador do Canal no YouTube e Podcast Inteligência Ambiental, maior canal do Brasil sobre a matéria de Direito Ambiental. Membro da União Brasileira de Advogados Ambientais (UBAA). Autor de diversos artigos, dentre eles “Responsabilidade Civil Ambiental: as dificuldades em se comprovar o nexo causal”.

Tiago Martins

OAB/PA 19.557 || OAB/SC 68.826-A || OAB/SP 518418

Advogado e Professor de Direito Ambiental com maior atuação no contencioso cível, administrativo e penal ambiental, além de prestar consultoria e assessoria ambiental. É Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável: Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário do Pará – Belém. Especialista em Direito Público com Ênfase em Gestão Pública e Capacitação para o Magistério Superior pelo IBMEC São Paulo. Conselheiro Seccional Suplente – OAB/PA. Conselheiro Suplente no Conselho de Desenvolvimento Urbano de Belém/PA. Professor Universitário de Graduação e Pós-Graduação, focado em Direito Ambiental, Direito Administrativo e Direito Constitucional. Sócio-fundador da Escola de Direito Ambiental. Sócio-fundador do Canal no YouTube e Podcast Inteligência Ambiental, maior canal do Brasil sobre Direito Ambiental. Professor em preparatórios para concursos públicos e exame de ordem, com foco em Direito Ambiental e Ética Profissional. Membro da União Brasileira de Advogados Ambientais (UBAA).

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