Alagamentos e Indenização Ambiental: Saiba Seus Direitos
Este artigo explora os direitos dos moradores afetados por alagamentos, qual a responsabilidade do poder público e as possibilidades de indenização ambiental, com base na jurisprudência e doutrina atualizadas. Descubra como comprovar a omissão estatal e garantir a reparação dos danos sofridos.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que o poder público é objetivamente responsável por danos causados por alagamentos.
Responsabilidade Civil do Poder Público
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul uniformizou entendimento no sentido de que a responsabilidade civil do poder público é objetiva, em casos de omissão, com base na teoria do risco administrativo.
Primeiramente, cumpre destacar que o saneamento é um assunto de interesse local, mas de responsabilidade de todos os entes da Federação, ensinamento trazido pela Constituição Federal em seu artigo 23, inciso IX:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
Impactos dos Alagamentos na Vida dos Moradores
É cediço que os moradores que residem em áreas que costumeiramente alaga sofrem devido aos prejuízos enfrentados, tanto pela perda de móveis, quanto problemas de saúde, sendo que desde o ano de 2019 o TJ/RS uniformizou a jurisprudência:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. TURMAS RECURSAIS DA FAZENDA PÚBLICA REUNIDAS. RESPONSABILIDADE CIVIL, EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL, POR DANOS DECORRENTES DE ALAGAMENTOS E INUNDAÇÕES. DIVERGÊNCIA ENTRE AS TURMAS FAZENDÁRIAS SOBRE SER OBJETIVA OU SUBJETIVA A RESPONSABILIDADE ESTATAL NA HIPÓTESE. ACOLHIMENTO DO INCIDENTE E UNIFORMIZAÇÃO DO ENTENDIMENTO, COM A EDIÇÃO DE ENUNCIADO NOS SEGUINTES TERMOS: “A RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL, NOS CASOS DE OMISSÃO, GENÉRICA OU ESPECÍFICA, EM HIPÓTESE DE ALAGAMENTOS E INUNDAÇÕES, É OBJETIVA, RESSALVADA A PROVA, PELO ENTE PÚBLICO, DE ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL ENTRE A OMISSÃO E O DANO EXPERIMENTADO PELO PARTICULAR.
INCIDENTE CONHECIDO E UNIFORMIZADO O ENTENDIMENTO, POR MAIORIA, COM EDIÇÃO DE ENUNCIADO. (processo 71008591331)
Como Comprovar a Omissão do Poder Público em Alagamentos
E quando podemos mencionar que houve a omissão do poder público? Caracterizando assim a sua responsabilidade de indenizar os Autores. Existem muitas possibilidades de se fazer a prova nesse sentido, sendo a melhor delas um estudo técnico ambiental realizado por um especialista da área.
Cumpre destacar que para uma das correntes doutrinárias, a responsabilidade civil do Estado por omissão é gerada necessariamente, pela prova de falta do serviço (faute du service), exigindo, assim, a necessária demonstração de uma culpa da Administração na prestação do serviço, seja pelo serviço não funcionar, funcionar mal ou tardiamente.[1] Desse modo, cabe ao particular fazer a prova.
Desse modo, só se caracteriza o ilícito quando configurado a possibilidade do Estado impedir o dano.
Enquanto outra para a segunda corrente doutrinária a responsabilidade civil extracontratual do Estado por omissão decorre do descumprimento de um dever jurídico de agir.
Para tal corrente, defendida, exemplificativamente, por Yussef Said Cahali[2] e Juarez Freitas[3], não haveria distinção entre a responsabilidade civil extracontratual do Estado em casos comissivos ou omissivos, aplicando-se a ambos o § 6.º do art. 37 da Constituição Federal.
Teoria do Risco Administrativo e Jurisprudência
A jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, vem se direcionando à adoção da teoria do risco administrativo para a questão da responsabilidade extracontratual em caso de omissão, inclusive no caso de omissão genérica.
Assim, o deslocamento da teoria subjetiva para a objetiva transfere a obrigação da vítima ter que comprovar a culpa administrativa pela falta do serviço para o dever de o ente estatal evidenciar motivos justificáveis e excludentes do nexo causal entre os deveres omitidos e os danos sofridos.
Vale mencionar no que concerne a alagamentos e inundações, e em casos de desastres naturais em geral, ganha destaque a existência do conhecimento dos riscos, da previsibilidade dos riscos, da capacidade e competência do ente estatal em questão para adotar medidas preventivas a fim de evitá-lo.
A previsibilidade do evento há de ser vista, por exemplo, de José Joaquim Gomes Canotilho[4], como um desdobramento do direito à proteção do ambiente, que importa em que o ente estatal tem deveres de proteção que se traduzem em ser razoável exigir da Administração Pública a adoção de medidas que evitassem tais danos.
Ocorre que na grande maioria dos casos de enchentes, os fatos são causados por obras mal planejadas pelo próprio poder público, ou então pela omissão na limpeza e fiscalização de medidas necessárias para uma boa manutenção no sistema de tubulação, sendo assim os fundamentos restam evidentes para caracterizar a responsabilidade do ente.
Desafios na Comprovação do Nexo Causal em Alagamentos
Além disso, outra questão importante e que faz relação com as provas, diz respeito às dificuldades em comprovar o nexo causal, ou seja, não é nada simples para a parte Autora demonstrar que os danos ocorrem pela péssima infraestrutura do sistema de saneamento, o qual é de responsabilidade do Município e que na grande maioria dos casos tem contrato firmado com Companhia Saneadora de Esgoto.
Outro ponto importante faz alusão ao caso fortuito e força maior, o que gera a descaracterização da responsabilidade do poder público nos casos, porém, tal fundamento não encontra sentido na esfera da responsabilidade civil ambiental, já que eventos climáticos deixaram de ser atípicos, sendo encargo do ente público até mesmo prever tais acontecimentos.
Nesse sentido, faz necessário trazer um julgado, também do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
RECURSO INOMINADO. RESPONSABILIDADE CIVIL. REPARAÇÃO DE DANOS. ALAGAMENTO DE RESIDÊNCIAS. MUNICÍPIO DE SÃO LEOPOLDO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA CONFIGURADA. DANOS MATERIAIS NÃO COMPROVADOS. OCORRÊNCIA DE DANO MORAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Trata-se de ação indenizatória por danos materiais e morais em face do Município de São Leopoldo, em razão do alagamento da residência da parte autora, decorrente do transbordamento do Rio do Sinos. Fato ocorrido em agosto de 2013. 2. A responsabilidade civil dos demandados é objetiva, nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição Federal e art. 43 do Código Civil, respondendo pelos danos que seus agentes derem causa, cabendo à parte contrária a prova dos fatos, o nexo de causalidade e o dano – Teoria do Risco Administrativo. 3. Precedentes do STF e desta 3ª Turma Recursal da Fazenda Pública, art. 37, §6º, da CF e art. 43 do Código Civil, no sentido de que a responsabilidade do Estado é objetiva, ainda que se trate de omissão. 4. Caso dos autos, em que a omissão dos réus caracteriza-se pela ausência de obras aptas e evitar, de fato, o transbordamento do Rio dos Sinos, que causa a inundação e alagamentos nas residências. 5. Ausência de caso fortuito. Define o Código Civil, no art. 393 que: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.” O ponto nodal do conceito de caso fortuito é a inevitabilidade, o evento assume tal proporção que não se consegue evitar. No caso dos autos o evento é totalmente evitável, haja vista as constantes inundações ocorridas no Município de São Leopoldo. Evento que somente ocorre pela omissão do réu em atividades que lhe são próprias e estão ao seu alcance, mas mesmo assim não foram realizadas. Inocorrência de força maior ou caso fortuito. 6. Danos materiais não suficientemente comprovados. Quanto a este pedido, improcedência mantida. 7. Danos morais configurados. Fixação do valor sopesando-se: punição ao ofensor, evitando-se a mantença da omissão; condições sociais econômicas da parte lesada e repercussão do dano. Isto sem representar vantagem exagerada ou enriquecimento indevido. Quantia de R$ 8.000,00 (oito mil) reais que atende os requisitos mencionados. RECURSO INOMINADO DA PARTE AUTORA PROVIDO EM PARTE.(Recurso Cível, Nº 71008207193, Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Alan Tadeu Soares Delabary Junior, Julgado em: 28-03-2019)
Portanto, não restam dúvidas que são diversas as tentativas dos entes públicos em descaracterizar as suas responsabilidades, no entanto, o que se vê é uma jurisprudência já pacificada, no sentido de coibir novos acontecimentos que prejudiquem comunidades atingidas por eventos climáticos.
Ainda, necessário mencionar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça nesses casos.
PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACÓRDÃO EMBASADO EM FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. REVISÃO. COMPETÊNCIA DO STF. REDUÇÃO DO QUANTUM FIXADO NA INSTÂNCIA A QUO. EXORBITÂNCIA NÃO CONFIGURADA. SÚMULA 7/STJ.
A controvérsia não foi dirimida sob a ótica do art. 186 do CC/02.O Tribunal de origem concluiu que ficou caracterizado o dano moral a ensejar reparação a esse título com base na responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, § 6º, da CF).
Não ventilada no aresto impugnado a matéria motivo da controvérsia, fica caracterizada a ausência de prequestionamento e impedido o seu acesso à instância especial, nos termos das Súmulas 282/STF e 211/STJ.
A via do recurso especial não é hábil para a análise da inexistência do dano moral na espécie em tela, tendo em vista que a matéria controvertida nos autos foi apreciada sob enfoque essencialmente constitucional, de competência do Supremo Tribunal Federal.
Se o valor dos danos morais se ajusta aos parâmetros de razoabilidade e de proporcionalidade, como no caso dos autos, a alteração do entendimento adotado pelo Tribunal de origem, a fim de acolher a pretensão dos agravantes de afastar ou reduzir a condenação por danos morais, torna-se tarefa inviável de ser realizada na via do recurso especial, por força do óbice da Súmula 7/STJ.
A aplicação da Lei 11.960/09 no cômputo dos juros de mora é questionamento trazido aos autos pela primeira vez no agravo regimental. Não cabe, em agravo regimental, inovar a lide, invocando questão até então não suscitada.
Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 175.977/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe 26/04/2013)
Assim sendo, resta evidente o entendimento jurisprudência no sentido de caracterizar a responsabilidade objetiva em casos de alagamento, devendo o ente público realizar prova contrária, sob pena de ser condenado a pagar pelos danos ambientais individuais.
[4] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O direito ao ambiente como direito subjetivo. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Ed., 2004, p. 188.
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Conheça os autores
Adivan Zanchet
OAB/RS 94.838 || OAB/SC 61.718-A || OAB/SP 521767
Advogado e Professor especialista em Direito Ambiental pela Escola Verbo Jurídico, e em Direito Agrário e do Agronegócio, pela FMP – Fundação Escola Superior do Ministério Público. Sócio-fundador e CEO do escritório MartinsZanchet Inteligência Ambiental Para Negócios. Como Advogado Ambiental, tem sua expertise voltada para Responsabilidade Civil Ambiental. Sócio-fundador da Escola de Direito Ambiental. Sócio-fundador do Canal no YouTube e Podcast Inteligência Ambiental, maior canal do Brasil sobre a matéria de Direito Ambiental. Membro da União Brasileira de Advogados Ambientais (UBAA). Autor de diversos artigos, dentre eles “Responsabilidade Civil Ambiental: as dificuldades em se comprovar o nexo causal”.
Tiago Martins
OAB/PA 19.557 || OAB/SC 68.826-A || OAB/SP 518418
Advogado e Professor de Direito Ambiental com maior atuação no contencioso cível, administrativo e penal ambiental, além de prestar consultoria e assessoria ambiental. É Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável: Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário do Pará – Belém. Especialista em Direito Público com Ênfase em Gestão Pública e Capacitação para o Magistério Superior pelo IBMEC São Paulo. Conselheiro Seccional Suplente – OAB/PA. Conselheiro Suplente no Conselho de Desenvolvimento Urbano de Belém/PA. Professor Universitário de Graduação e Pós-Graduação, focado em Direito Ambiental, Direito Administrativo e Direito Constitucional. Sócio-fundador da Escola de Direito Ambiental. Sócio-fundador do Canal no YouTube e Podcast Inteligência Ambiental, maior canal do Brasil sobre Direito Ambiental. Professor em preparatórios para concursos públicos e exame de ordem, com foco em Direito Ambiental e Ética Profissional. Membro da União Brasileira de Advogados Ambientais (UBAA).
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