A imprescritibilidade não alcança a pretensão punitiva do órgão ambiental. Entenda!
Em junho de 2020 no âmbito do RE 654833 (Tema 999 de repercussão geral, também conteúdo do informativo/STF nº 983) e o Supremo Tribunal Federal referendou a tese de que seria imprescritível a pretensão para a reparação civil de dano ambiental, entretanto esse entendimento não pode ser utilizado como argumento para que os órgãos e entidades ambientais autuem os cidadãos e empreendimentos a qualquer tempo, ignorando sumariamente as regras de prescrição administrativa.
A prescrição, em termos gerais, é a perda do direito para o exercício de uma pretensão. Se trata de um instituto jurídico presente nos mais diversos ramos do direito e é fundamental para que a segurança jurídica, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito sejam resguardados.
Os órgãos e entidades ambientais não estão afastados da necessária incidência da prescrição em relação aos atos administrativos que praticam, inclusive os que visem apurar supostas infrações ambientais.
Portanto, a administração pública tem prazo para exercer sua pretensão punitiva aos cidadãos e empreendimentos, mesmo que fique configurado a existência de um ato infracional.
Em âmbito federal, por exemplo, o decreto 6.514/08, prevê a chamada prescrição quinquenal ou mesmo prazo prescricional quando a infração também configurar crime, para o exercício do poder de polícia sancionador dos órgãos e entidades competentes componentes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), assim como a prescrição intercorrente que ocorre quando se observa paralisação indevida do processo administrativo punitivo por um determinado perídio de tempo.
Eis o texto normativo referido:
Art. 21. Prescreve em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado.
§ 2º Incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação.
§ 3o Quando o fato objeto da infração também constituir crime, a prescrição de que trata o caput reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
A prescrição direcionada aos atos da administração pública também estão elencados em outras normas jurídicas, como, por exemplo, na Lei Federal 9784/99 que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, na Lei Federal 9873/99 que estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública direta e indireta Federal e no Decreto Federal 20.910/32, além de normas estudais e municipais que também preveem obrigatoriamente o instituto da prescrição administrativa.
O que seria imprescritibilidade da reparação do dano ambiental?
A imprescritibilidade é uma medida excepcional que deve ser aplicada rara e unicamente em situações que fique configurado que a segurança jurídica poderá ser prejudicada caso um ato determinado ato ou pretensão não possam ser praticados a qualquer tempo, ou seja, é quando a estipulação de um prazo prescrição ao contrário de resguardar um direito, poderá impedir sua concretização.
Notadamente, só pode ser aplicada a imprescritibilidade em caso muito específicos, como no caso de comprovado dano ao meio ambiente, entretanto a relativização excepcional do instituto só é aplicável em matéria ambiental na esfera civil objetiva, logo não há possibilidade de sua aplicação no âmbito sancionatório administrativo.
O que o STF decidiu no Recurso Extraordinário 654833?
Aferimos que o tema de repercussão geral 999, julgado pelo excelso pretório, oriundo da apreciação do Recurso Extraordinário 654833, também conteúdo do informativo/STF nº 983, trata unicamente da responsabilidade civil objetiva, não havendo em momento algum a inclusão da responsabilidade administrativa.
1. Debate-se nestes autos se deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, que beneficia o autor do dano ambiental diante da inércia do Poder Público; ou se devem prevalecer os princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que beneficiam toda a coletividade.
2. Em nosso ordenamento jurídico, a regra é a prescrição da pretensão reparatória. A imprescritibilidade, por sua vez, é exceção. Depende, portanto, de fatores externos, que o ordenamento jurídico reputa inderrogáveis pelo tempo.
3. Embora a Constituição e as leis ordinárias não disponham acerca do prazo prescricional para a reparação de danos civis ambientais, sendo regra a estipulação de prazo para pretensão ressarcitória, a tutela constitucional a determinados valores impõe o reconhecimento de pretensões imprescritíveis.
5. A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais.
6. Extinção do processo, com julgamento de mérito, em relação ao Espólio de Orleir Messias Cameli e a Marmud Cameli Ltda, com base no art. 487, III, b do Código de Processo Civil de 2015, ficando prejudicado o Recurso Extraordinário. Afirmação de tese segundo a qual é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.
Em resumo, o STF entendeu que, em caráter de exceção, a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado justifica a propositura de uma ação civil a qualquer tempo visando a reparação de um dano ambiental.
Acreditamos conjuntamente com outros advogados, doutrinadores e pesquisadores jurídicos do direito ambiental que a aplicação da imprescritibilidade, mesmo unicamente em âmbito civil, sem qualquer modulação por parte julgador não é a melhor medida e que o STF deverá em breve analisar e condicionar a utilização do precedente, todavia, discutiremos o assunto em momento oportuno em outro artigo aqui no blog.
Ratificamos, por fim deste tópico, que o RE 654833 não conferiu para a administração pública a prerrogativa de autuar e sancionar a qualquer tempo sob a justificativa de que a pretensão para exercer poder administrativo sancionador seria imprescritível quando supostamente configurada uma infração ambiental.
A responsabilidade administrativa ambiental VERSUS imprescritibilidade
A responsabilidade administrativa ambiental é resultado da pretensão punitiva da administração pública que se concretiza através de ato derivado do exercício do poder polícia ambiental conferido aos órgãos e entidades locais por força do VI, do artigo 6º da Lei 6.938/81.
O festejado doutrinador e professor Edis Milaré, nos ensina que:
Então, pondo em sinergia esses ensinamentos, pode-se concluir que a responsabilidade por infrações administrativas no direito ambiental é, induvidosamente, subjetiva. O receito de que tal postura venha ser fatal a proteção do meio ambiente plenamente conjurado pela adoção da teoria da culpa presumida, que, como exposto, torna mais cômoda e efetiva a atividade estatal sancionatória, já que se carrega ao ombro do suposto infrator todo o fardo probatório de sua inocência. (MILARÉ, Édis. 10º. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista Tribunais, 2015, p. 352)
O Superior Tribunal de Justiça pacificamente se posiciona jurisprudencialmente da seguinte maneira:
Nos termos da jurisprudência do STJ, como regra a responsabilidade administrativa ambiental apresenta caráter subjetivo, exigindo dolo ou culpa para sua configuração. STJ – REsp: 1640243 SC 2016/0308916-7, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 07/03/2017, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/04/2017)
Por sua vez, PARECER n. 00004/2020/GABIN/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU, especifica que:
EMENTA: DIREITO AMBIENTAL. INFRAÇÃO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. NECESSIDADE DE DOLO OU CULPA. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA, ESTÁVEL, ÍNTEGRA E COERENTE (STJ). REVISÃO DA ORIENTAÇÃO JURÍDICA NORMATIVA 26/2011/PFE-IBAMA. 1. A responsabilidade administrativa ambiental possui natureza subjetiva, a demandar a existência de dolo ou culpa do agente para caracterização de infração ambiental. 2. Aplicação subsidiária de disposições do Código Penal na forma do artigo 79 da Lei n. 9.605/98, nos limites da presente manifestação.
Além da natureza subjetiva, a responsabilidade administrativa traz consigo a possibilidade da aplicação do instituto da prescrição, ou seja, a pretensão punitiva em esfera administrativa dos órgãos e entidades com competência ambiental componentes do SISNAMA é prescritível.
Nos valendo novamente, mesmo que indiretamente, do ensinamento de Edis Milaré, temos que natureza e o escopo das sanções civis e panais, que apenas são aplicáveis pelo poder judiciário, são diferentes das penalidades administrativas, que por sua vez são impostas aos infratores pelos próprios órgãos ou entidades da Administração Direta, ou Indireta da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios. (MILARÉ, Édis. 10º. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista Tribunais, 2015. P. 346)
Conforme já exposto em tópico anterior, a prescrição da pretensão punitiva da administração pública ambiental segue a regrado art. 21 do Decreto Federal 6.514/2008, bem como seu § 2º e §3].
Assim, jurisprudencialmente o Supremo Tribunal Federal se posiciona da seguinte maneira sobre o tema em análise:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. MULTA. SANÇÃO ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. ART. 1º, §1º, DA LEI 9.873/99. ART. 21, §2º, DO DECRETO 6.518/2008. DECURSO DE PRAZO SUPERIOR A CINCO ANOS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. AUSÊNCIA DE CAUSA INTERRUPTIVA. LEVANTAMENTO DO EMBARGO. DEMORA EXCESSIVA NA CONCLUSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Diferentemente do dano ambiental, cuja pretensão de reparação civil é imprescritível (RE 654.833 -RG, STF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Sessão Virtual, Ata de Julgamento nº 10, de 20/04/2020. DJE nº 104, divulgada em 28/04/2020 e publicada em 29/4/2020), as sanções administrativas, de natureza pecuniária, derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, são alcançadas pelo instituto da prescrição. 2. Nos termos do art. 1º da Lei 9.873/99, prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação vigente, tendo o §1º do mesmo dispositivo consignado que “incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada (…)”, regras reproduzidas pelo art. 21, caput, e § 2º, do Decreto nº 6.514/2008. (TRF-1 – AC: 10007192520184013603, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, Data de Julgamento: 10/06/2020, QUINTA TURMA)
Frisamos, oportunamente, que nos autos do recentíssimo Recurso Extraordinário com Agravo 1352872, protocolado no Supremo Tribunal Federal em 20/10/21, o ministro Luiz Fux explica que a tese firmada no RE 654833 (Tema 999) assenta a imprescritibilidade da pretensão de reparação civil de dano ambiental, não outra[1].
Fica, assim, conforme exposto, afastada, por motivos jurídicos evidentes, qualquer possibilidade de aplicação, mesmo que analógica, da tese da imprescritibilidade assentada no RE 654833 (Tema 999) julgado pelo Supremo Tribunal Federal aos casos que envolvam apuração de responsabilidade administrativa ambiental, mesmo na esfera judicial, devendo ser observada a regra da prescrição quinquenal da pretensão punitiva da administração pública.
O que fazer em caso de aplicação equivocada da tese da imprescritibilidade por parte do órgão/entidade ambiental?
Ao ser atuado pelo órgão ou ambiental entidade ambiental deve verificar se está ou não diante das hipóteses prescricionais administrativas, seja a que se relacionado a ocorrência ou ciência do fato danoso que poder de 5 anos ou igual ao tipo penal quando a infração também configurar crime, bem como a prescrição intercorrente, em caso de processo administrativo paralisado injustificadamente.
Observando uma das hipóteses expostas, deve a parte autuada arguir em defesa, recurso ou até mesmo manifestação em qualquer fase do processo administrativo para que o órgão ambiental análise e reconheça os efeitos da prescrição.
Não sendo oportunizado tal possibilidade ao cidadão ou não tenha sigo acatado seu argumento pelo órgão ou entidade ambiental, assim como caso nem sequer tenha sido arguida a prescrição, independentemente do motivo, a questão ainda poderá ser levada para apreciação do Poder Judiciário através de uma ação declaratório de nulidade, tendo em vista que os atos administrativos que violam a legalidade podem ser objeto de apreciação judicial.
Advogado e Professor especialista em Direito Ambiental pela Escola Verbo Jurídico, e em Direito Agrário e do Agronegócio, pela FMP – Fundação Escola Superior do Ministério Público. Sócio-fundador e CEO do escritório MartinsZanchet Inteligência Ambiental Para Negócios. Como Advogado Ambiental, tem sua expertise voltada para Responsabilidade Civil Ambiental. Sócio-fundador da Escola de Direito Ambiental. Sócio-fundador do Canal no YouTube e Podcast Inteligência Ambiental, maior canal do Brasil sobre a matéria de Direito Ambiental. Membro da União Brasileira de Advogados Ambientais (UBAA). Autor de diversos artigos, dentre eles “Responsabilidade Civil Ambiental: as dificuldades em se comprovar o nexo causal”.
Tiago Martins
OAB/PA 19.557 || OAB/SC 68.826-A || OAB/SP 518418
Advogado e Professor de Direito Ambiental com maior atuação no contencioso cível, administrativo e penal ambiental, além de prestar consultoria e assessoria ambiental. É Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável: Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário do Pará – Belém. Especialista em Direito Público com Ênfase em Gestão Pública e Capacitação para o Magistério Superior pelo IBMEC São Paulo. Conselheiro Seccional Suplente – OAB/PA. Conselheiro Suplente no Conselho de Desenvolvimento Urbano de Belém/PA. Professor Universitário de Graduação e Pós-Graduação, focado em Direito Ambiental, Direito Administrativo e Direito Constitucional. Sócio-fundador da Escola de Direito Ambiental. Sócio-fundador do Canal no YouTube e Podcast Inteligência Ambiental, maior canal do Brasil sobre Direito Ambiental. Professor em preparatórios para concursos públicos e exame de ordem, com foco em Direito Ambiental e Ética Profissional. Membro da União Brasileira de Advogados Ambientais (UBAA).
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